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miércoles, 26 de diciembre de 2007

Boi gordo o ano todo

Boi gordo o ano todo

As terras do cerrado que permanecem ociosas durante o período da estiagem já podem ser utilizadas para engordar o gado. Com o sistema Santa Fé, descoberto por acaso, o plantio do capim é feito integrado com a lavoura anual e, após a colheita, fica a pastagem

Texto Verena Glass Fotos Ernesto de Souza

Colheita de milho em área onde o grão foi consorciado com braquiária; em pouco tempo, surgirá um bom pasto para o gado no inverno
Muito em função das especulações sobre o seu potencial de se tornar o grande celeiro de grãos do mundo, bem como um fantástico produtor de bife, o cerrado brasileiro foi a fronteira agrícola que mais se expandiu nas últimas décadas. Em pouco mais de 30 anos, metade desse ecossistema, que ocupa cerca de 2 milhões de quilômetros quadrados — ou 22% do território nacional —, transformou-se em lavouras de soja, milho, arroz, feijão, café, algodão e pastagens, para citar apenas as principais formas de intervenção. Mas, apesar dos milhões de dólares investidos em tecnologia, os resultados produtivos alcançados na prática nem sempre se revelaram tão lucrativos quanto o esperado. "10,7 milhões de hectares são utilizados apenas por pouco mais de quatro meses ao ano, na estação das chuvas, para plantio das culturas anuais de grãos. Só 1 milhão de hectares são aproveitados para o cultivo da safrinha, e apenas 300 mil, irrigados, produzem durante o ano todo", afirma o agrônomo João Kluthcouski, conhecido como João K., pesquisador da Embrapa Arroz e Feijão, de Goiânia, GO. Para ele, levando em conta que o solo do cerrado exige correção sistemática e uma produtividade razoável depende de altos investimentos em tecnologia, muitas vezes ocorre um subaproveitamento desses recursos, o que pode tornar a atividade antieconômica.

O bom ganho de peso do gado termina com as chuvas.
Se o retorno financeiro da agricultura ainda está bem aquém do seu potencial, a pecuária apresenta problemas ainda maiores. Segundo dados da Embrapa, os prejuízos com o chamado "efeito-sanfona", a perda de peso dos animais criados a pasto no período da seca, chegam a cerca de 1 bilhão de dólares por ano. A criação de gado de corte ocupa perto de 75 milhões de hectares de pasto nativo, naturalmente improdutivo e de baixo valor nutritivo, e 50 milhões de pasto formado, dos quais 80% estão degradados. Essa realidade permite uma ocupação média anual, entre pasto nativo e cultivado, de apenas 0,3 u.a. (unidade animal, equivalente a 450 quilos) por hectare. "Na estação chuvosa, o gado até que vai bem, mas na seca os animais chegam a perder 270 gramas de peso vivo por dia", diz João K. Longe de questionar o potencial produtivo do cerrado, no entanto, o que o pesquisador sugere é uma nova forma de aproveitamento das áreas ocupadas. A fórmula desenvolvida por ele e sua equipe para evitar desperdícios e prejuízos, aumentando a lucratividade da exploração desta savana tropical, é simples. Baseia-se na união das duas principais atividades, a agricultura e a pecuária, através do sistema de plantio integrado das culturas com capim para os animais, o chamado sistema Santa Fé.

Feliz acaso

O sistema foi desenvolvido a partir de um desses felizes acasos que muitas vezes precedem as grandes descobertas. Criador de boi e produtor de grãos, o engenheiro Ricardo Merola, dono da Fazenda Santa Fé, no município de Santa Helena de Goiás, GO, há cerca de três anos se viu às voltas com uma infestação de mofo branco, praga que estava ameaçando a sua produção de feijão irrigado. A conselho de João K., antecedendo a leguminosa, Merola plantou milho em consórcio com braquiária, com o propósito de produzir uma boa palhada para a proteção do solo, e, principalmente, aproveitar as propriedades alelopáticas do capim, capazes de inibir fungos de solo como o próprio mofo branco, a rhizothonia e o fuzarium (embora não comprovado cientificamente, o poder alelopático da braquiária tem sido constatado na prática). Como o objetivo era combater a praga, a provável perda da safra de milho não teria importância. Mas, para surpresa geral, ela não sofreu nenhuma alteração, ao mesmo tempo que o capim se desenvolveu vigorosamente. Dessecada para receber o plantio do feijão, a braquiária formou uma grossa camada de palhada, o que, além de solucionar o problema do mofo branco, aumentou consideravelmente a qualidade do grão colhido, limpo de torrões de terra e outras impurezas.

Revolução
Com essa primeira experiência de consórcio, os pesquisadores chegaram a várias conclusões: em primeiro lugar, a braquiária não concorre com o milho; aproveita, sim, parte da adubação destinada ao grão, consumindo o que não é assimilado pela cultura. Por conta de seus poderes alelopáticos e do grande volume de massa verde, que constitui uma barreira física sobre o solo, não só inibe os fungos, como também o crescimento de mato. Destinado à cobertura de solo, forma uma palhada espessa e de lenta degradação, protegendo a área e liberando gradativamente os nutrientes contidos na massa seca. E, se a área não for irrigada nem aproveitada para o plantio de uma segunda cultura, está pronta uma pastagem de excelente qualidade. Enquanto forragem para a alimentação do gado, a única diferença desse capim para o da estação chuvosa, explica João K., é que a produção de massa verde no inverno é um pouco menor, proporcionalmente à queda da temperatura de cada região. A partir desses resultados, João K. e sua equipe, que nos anos 80 desenvolveram o sistema Barreirão (ver Globo Rural nº. 76 fevereiro/92), deram mais um passo no que o pesquisador considera uma revolução no ciclo produtivo do cerrado: a integração lavoura/pecuária. Batizado de Santa Fé em homenagem à fazenda onde nasceu, o novo sistema permite várias formas de aplicação. O agropecuarista que engorda parte do gado em confinamento durante o inverno, como é o caso de Merola, pode colher milho para silagem em dezembro, deixar que a braquiária se desenvolva e fazer três cortes de capim de 45 em 45 dias, também para silagem. Quem prefere a criação de gado a campo colhe o milho para grão em fevereiro e solta o gado nas pastagens de braquiária, que se mantém verde e nutritiva durante todo o período do inverno no primeiro ano. Por fim, o produtor desseca o resto de capim e entra com uma cultura no sistema de plantio direto no início da safra seguinte.

 

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